A calculadora que mostra quanto vale cada árvore

A calculadora que mostra quanto vale cada árvore

 

Em fevereiro de 2023, a juíza Mara Elisa Andrade, titular da Sétima Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas, rejeitou a solicitação feita pelo fazendeiro Dauro Parreira de Rezende, réu num processo por desmatamento, que pedia que o valor da multa aplicada a ele fosse recalculado. Acusado de desmatar ilegalmente 2,4 mil hectares em um projeto de assentamento agroextrativista no sul daquele estado, ele foi multado em R$ 63,5 milhões. A maior parte do montante (R$ 44,7 milhões) foi baseada em um cálculo feito pelo Ministério Público Federal para levantar o dano climático causado pelas emissões de gás carbônico desse desmatamento.

Foi a primeira vez que a Justiça brasileira condenou alguém levando em conta não só a área desmatada propriamente dita como também o impacto causado ao clima. Para se chegar ao valor da multa, uma ferramenta foi essencial: a Calculadora de Carbono (CCAL), desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

A ação teve grande valor jurídico, porque abriu portas para uma reinterpretação da responsabilidade civil ambiental no Brasil. Com a CCAL, promotores de justiça podem valorar, de maneira embasada cientificamente, os danos causados pela grilagem e o desmatamento ilegal.

“Para além da aplicabilidade para cálculos de multas ambientais, a ideia para desenvolver a CCAL foi facilitar o trabalho dos agentes do governo de verificar se as informações que chegavam a eles sobre projetos de carbono eram verdadeiras ou não e de ajudar os próprios estados a acompanhar sua performance nas políticas de redução de emissões”, explica Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam e idealizadora da CCAL, que teve o iCS entre os apoiadores.

Especialista em entender os impactos da fragmentação florestal, Alencar coordena as iniciativas do Ipam para desenvolver sistemas para monitorar o desmatamento a fim de apoiar projetos de REDD (sigla em inglês para redução das emissões do desmatamento e da degradação florestal).

A calculadora, lançada em 2016, ganhou, em 2024, uma versão mais robusta, com dados mais aprofundados e informações de todas as 27 unidades da federação do país. A ferramenta oferece uma série de informações sobre determinada área, com estimativas de ganhos e perdas de estoque de carbono e de emissões liberadas e evitadas, em escalas que podem medir tanto estados inteiros como propriedades privadas.

Como funciona a Calculadora de Carbono

A CCAL reúne um vasto conjunto de dados, como mapas de cobertura florestal, temperatura, quantidade de chuvas, tipos de solo, biomassa, áreas sob regeneração florestal e idade de regeneração. Para obter as informações, basta navegar pelo mapa da ferramenta e destacar a área desejada. “Por exemplo, a gente pode pegar uma área em Mato Grosso que era um parque e saber a quantidade de emissões ali desde que ela deixou de ser protegida”, explica Alencar. “É uma ferramenta versátil. Se você quiser fazer cálculos para uma fazenda, é só criar um usuário e fazer upload dos dados, que ficam salvos no perfil.”

O usuário pode “desenhar” à mão livre ou formar polígonos para destacar a área desejada. É possível também filtrar os dados por bioma, estado, município e categorias, entre outras, Unidades de Conservação, Terras Indígenas e imóveis rurais. Por exemplo, em Boca do Acre, cidade onde Rezende foi condenado por desmatamento ilegal, a calculadora informa que a perda de vegetação nativa saltou de 3,3 mil hectares em 2013 para 17,9 mil em 2022.

É possível acompanhar também o “outro lado”. A calculadora mostra ações de reflorestamento, para conferir se elas estão trazendo os benefícios esperados para a redução de emissões.

Nesse sentido, os principais resultados dizem respeito a estoques de carbono, potencial de regeneração florestal e emissões de carbono evitadas. Tomando ainda como exemplo o município de Boca do Acre, ali há 286 milhões de toneladas de carbono estocadas em vegetação nativa (mais do que todo o estado do Rio de Janeiro, por exemplo). Também é possível projetar cenários futuros. Com uma hipotética meta de 20% de redução no desmatamento no município, a ferramenta aponta que haveria uma emissão evitada de 480 mil toneladas de gás carbônico até 2030.

Todas as informações são apresentadas em relatórios e gráficos de fácil interpretação. “A intenção do Ipam é continuar a desenvolver ferramentas como essa, que facilitam o acesso a dados geoespaciais e sua interpretação para ajudar o trabalho dos tomadores de decisão”, diz Alencar. A frieza e a exatidão de números, curvas e barras de gráficos se transformam em vida, em seiva, e no custo de uma árvore derrubada – e apontam o valor que mantê-la de pé significa.

 

 

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