O clima que afeta a lavoura e a lavoura que salva o clima

O clima que afeta a lavoura e a lavoura que salva o clima

 

O que o campo e a cidade têm em comum? Nenhum vai passar ileso pelos efeitos das mudanças climáticas e ambos precisam repensar os impactos que provocam no meio ambiente. Foi com essa provocação que o iCS estabeleceu parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), que reúne mais de 4 mil sindicatos em todas as unidades federativas e trabalha pela garantia e ampliação de direitos de 15 milhões de trabalhadores rurais.

A agricultura familiar é, dentre as configurações de produção agropecuária, a mais vulnerável às mudanças climáticas. Por esse motivo, nos últimos 12 anos, termos como agroecologia, uso responsável de recursos e práticas agrícolas sustentáveis para minimizar os impactos ambientais negativos e melhorar a resiliência das culturas passaram a fazer parte dos encontros da Contag, com a criação de uma Secretaria de Meio Ambiente dentro da confederação. Mas, até então, a organização não relacionava esses temas como sendo parte da agenda climática global. Recentemente, em 2022, a parceria com o iCS intensificou as discussões dentro da confederação e com seus membros.

“Quando se fala de clima, se pensa em conferências, negociações internacionais e, a princípio, isso parecia distante da nossa realidade. Aos poucos, o iCS nos mostrou que muito da incidência política e das nossas demandas de produção saudável e sustentável dialogam com a pauta climática”, conta a diretora de Meio Ambiente da Contag, Sandra Paula Bonetti.

Foi assim que, desde o início da parceria com o iCS, a Contag promoveu uma série de formações online e presenciais sobre a pauta do clima relacionada à agricultura familiar, para formar multiplicadores em todos os estados e Distrito Federal, publicou materiais técnicos para os sindicatos e realizou eventos de capacitação e educação climática. Serviços ecossistêmicos, pagamentos por serviços ambientais, agricultura de baixa emissão de carbono e políticas públicas ambientais são alguns exemplos de temas que têm sido trabalhados.

Traduzindo a agenda climática

Segundo o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar, metade dos brasileiros que vive em áreas rurais não completaram o ensino fundamental. Foram para a escola por, em média, 7,2 anos. Para Bonetti, mesmo que por vezes afastado da academia, o campo não pode estar afastado da pauta climática, visto que ele é parte da solução.

“A pauta climática parece feita para que o agricultor não a entenda. Ela é extremamente acadêmica e letrada, formulada por pesquisadores que, em sua maioria, nunca pegaram em uma enxada, que moraram em apartamento a vida inteira. Então o clima acaba sendo discutido pelo viés das cidades e não do campo. Mas e se não tiver alimento para a cidades? Nós agricultores somos tão impactados quanto a periferia e os centros urbanos”, afirma Bonetti.

“Nós falamos de clima com o pé no barro, a partir do que vemos no dia a dia no campo. Por exemplo, nos últimos anos, a produção de milho diminuiu, o cultivo de mandioca tem sofrido fortes impactos e a região Sul sofreu três anos consecutivos de seca. O agricultor sabe disso. Não é só uma seca, é uma crise climática. Nosso trabalho é estabelecer essa conexão entre os problemas enfrentados na produção e o clima, mostrar que se trata de uma questão global que vai afetar a vida deles ”, complementa.

Do barro à COP

Com 20 anos de experiência no movimento sindical, Sandra relaciona os desafios climáticos à vida dos agricultores com conhecimento de causa. Ela cresceu em uma propriedade rural em São Jorge d’Oeste, no Paraná, e é educadora popular, licenciada em Educação do Campo. Até três anos atrás, trabalhava com os pais nos 7 hectares da família. Em 2022, representou a Contag na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 27), no Egito.

“Todos os dias, quando vou a uma audiência, encontro ou atividade, lembro que meu pai acorda às 5 horas da manhã para tirar leite das vacas e eu tenho que fazer o que for preciso para melhorar a vida dele e a de milhares que, assim como ele, precisam dessa representação. Tenho muita convicção de que esse esforço pode salvar as pessoas, no sentido de soberania, autonomia, segurança alimentar, aposentadoria, manter e valorizar seu pedaço de terra, sua casa”, conta.

Em resposta à diminuição do número de agricultores familiares no campo (redução de 11% nos últimos dez anos, de acordo com o anuário), Bonetti deseja que o ambiente rural seja visto como um futuro possível. “Venho da militância da juventude. Sou de uma geração que tem opção de sair do campo para ir a outros lugares, mas permanecer na propriedade é uma escolha. Neste momento, estou na Contag para melhorar a vida das pessoas, nesse espaço político transitório. Penso em voltar para minha propriedade, produzir e permanecer nela. Meu sonho é que as pessoas enxerguem o campo como um lugar de oportunidades, de bem viver”.

Diversidade no campo

Em atividade há seis décadas, a Contag é a primeira e a maior instituição sindical camponesa do país. Desde sua criação, em 1963, atua para que os brasileiros de áreas rurais tenham condições de vida e de trabalho dignas asseguradas por políticas diferenciadas, sobretudo para agricultura familiar, tais como previdência social, crédito e seguro agrícolas, crédito fundiário, assistência técnica e extensão rural, comercialização e garantia de preços mínimos, cooperativismo, associativismo e infraestrutura rural, entre outras.

Uma das máximas da confederação é a de que a agricultura brasileira é múltipla e, por isso, cada região do país enfrenta desafios distintos. “Nesse cenário imenso, a agricultura familiar, muitas vezes, acaba invisibilizada. É um trabalho difícil, pois a mão de obra são os membros da família e você tem que se autogerenciar, executar, dar conta de todas as despesas. Na pequena propriedade, a dinâmica é muito própria”, afirma a diretora de Meio Ambiente da Contag, Sandra Paula Bonetti.

Ela defende, antes de tudo, que é preciso abandonar a visão estereotipada sobre o campo. “Muita gente só enxerga a agricultura familiar como subsistência ou um modo de produção ultrapassado. E, no entanto, ela é múltipla na sua forma de produzir e levar o alimento para a mesa do trabalhador brasileiro.”

A diversidade e a produtividade mencionadas por Sandra são corroboradas pelo Anuário Estatístico da Agricultura Familiar, que, em sua mais recente edição, de 2023, mostrou que a agricultura familiar brasileira é composta por mulheres, homens e pessoas LGBTQIAP+ de todas as etnias e idades, incluindo assentados, pescadores artesanais, quilombolas, indígenas, silvicultores, aquicultores e extrativistas. O documento destaca também que esse segmento é responsável por 67% das ocupações no campo e por 23% do valor bruto da produção agropecuária do Brasil, sendo a oitava maior produtora de alimentos do mundo.

 

 

 

 

Veja outras histórias inspiradoras

 

A energia que vem da favela

Ver mais

Um país inteiro para manter a Amazônia de pé

Ver mais

A calculadora que mostra quanto vale cada árvore

Ver mais

O clima que afeta a lavoura e a lavoura que salva o clima

Ver mais